segunda-feira, 28 de junho de 2010

Memória histórica

Do livro Teatro pós – dramático de Hans-Thies Lehmann
Do capítulo: Teatro e memória


“Segundo Maurice Halbswachs, a Memória Coletiva – da qual faz parte à memória cultural – certamente se compõe a partir de uma soma de memórias individuais, mas é diferente da soma de lembranças individuais e é mais do que ela. Na verdade, a existência de uma memória coletiva é um pressuposto indispensável para a constituição da memória individual. Somente a memória coletiva dá forma, lugar, profundidade e sentido às rememorações individuais. Algo como o provimento afetivo de experiências coletivas é então necessário para que a história pessoal – lembrança e experiência de um passado – possam ganhar forma”.
O teatro é um espaço de memória e revela uma manifesta relação com o tema da historicidade, ainda mais agora, num tempo midiático, em que a “liberdade” passa a aparecer idealmente como a mais completa desobrigação do indivíduo. O teatro tem a ver com a memória, da qual é justamente indissociável a idéia de algum tipo de compromisso. Cada momento presente que reconhece mostrar em si vestígios de sua origem se encontra – tanto em seus traços bons como ruins – como elo de uma corrente, sem a qual não teria existido. Apesar desse nexo de dependência e compromisso que necessariamente liga a consciência e também o teatro à história, o teatro não é história, assim como não é representação diretamente política (que hoje em dia outras mídias lhe subtraem). Heiner Muller gostava de observar que o acontecimento mais importante da época elisabetana, a derrota da Armada em 1588, não aparece em nenhum drama daquela época.
Em nosso contexto, “memória” não significa qualquer tipo de depósito de informações e “lembrança” não é um procedimento no qual este ou aquele dado acumulado no depósito – memória seja convocado ao bel prazer. Com o termo “passado” não se designam os assim chamados fatos da história. Quem procura no teatro os “conteúdos” culturais de tempos idos, segundo o hábito dos antepassados, não ilumina o potencial de memória do teatro, mas apenas sua função de Museu. Mas o museu é um meio – um meio de depósito. Em contrapartida, uma representação teatral não é nenhum meio para outra coisa – por exemplo, para uma consciência histórica aguçada quando, após a representação, a pessoa se encontra novamente na rua. A memória acontece de outra maneira – a saber,” “quando a abertura da visão se faz no tempo entre olhar e olhar (Muller), quando algo não visto se torna visível entre imagem e imagem, quando algo não ouvido se torna quase audível entre som e som, quando algo não sentido se torna quase perceptível entre as sensações.

Nenhum comentário:

Postar um comentário